terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Natal (Artur da Távola)

NATAL É NASCER
Nascer é acordar a cada dia, sabendo que nisso está o milagre.
Nascer é perceber a vida sempre de um modo diferente.
Nascer é Revelar. Nascer é saber esperar.
É entender de rega, poda, criança e passarinho.
Nascer é ter os olhos bem abertos e, mesmo assim, prosseguir. É saber a hora do afago. É descobrir primeiro em si e só depois nos outros.
Nascer é abrir o coração e a inteligência para receber o que foi de humana tessitura feito. Em todas as dimensões e em suas contradições.
Nascer é meditar. Ir fundo nas regiões do próprio silêncio e sombra. Saber-se, sem medo. E canalizar o impulso para a criação e a colheita. É ser capaz de amar-se exatamente a partir do próprio conflito.
Nascer é não ter idade para a Revelação. É dizer erro, faço, aceito, minto, busco, possuo, vou, quero, hei, para um dia, entre suspiro de alívio e redenção, dizer: sou, creio. Nascer é continuar. Cada vez que a justiça se faz, algo nasceu.
Nascer é nascer, ora, e aqui estou, às vésperas do Natal,
em busca (busco) de uma mensagem sobre o Nascer,
símbolo de um Espírito que veio para salvar, na forma de Homem.
Concluo que não há palavras nem originalidade para expressar o simples e o Eterno. Porque o Eterno não é verbal.
Escolho, então, evocá-lo simplesmente.
E, assim, a Dimensão maior. A Totalidade. A Unidade Eis o Natal. Eis o Cristo.
Sempre novo, porque Permanente

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

UMA DESPEDIDA (JORGE LUÍS BORGES)

Tarde que solapou nosso adeus.
Tarde afiada e prazerosa e monstruosa como um anjo obscuro.
Tarde em que viveram nossos lábios na intimidade nua dos beijos.
O tempo inevitável transbordava sobre o abraço inútil.
Juntos dissipávamos paixão, não para nós, mas para a solidão já proxima.
A luz nos afastou; a noite chegara de repente.
Fomos até o portão com a seriedade da sombra que agora uma estrela atenua.
Como quem volta de um prado perdido eu voltei do teu abraço.
Como quem volta de um país de espadas eu voltei de tuas lágrimas.
Tarde que dura vívida como um sonho entre as outras tardes.

O ENCONTRO (WEYDSON BARROS LEAL)

Sempre avistamos a porta. Guardamos os ossos das secretas vontades, mas a sombra cresce, a cada passo.

Impossível o esquecimento, a conversão das perdas então multiplicadas, cada uma voltada para o nada.

Um dia estaremos juntos: um ou outro sob a chama da morte, um ou outro sob as cinzas da vida, enlaçados.

Seguiremos. Buscamos o centro, a absoluta extremidade, onde há apenas um espelho e diante dele alguém que pergunta: “E Deus?”

Os olhos ecoarão no vazio e o espelho nos deixará a sós - afirmação do eterno - a responder: “É o vivido...”

E estaremos ali, um diante do outro - um morto e um vivo - sem sabermos, afinal, por quem...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Mais detalhes sobre o B612 (O PEQUENO PRÍNCIPE- SAINT EXUPÉRY) Não, nunca participei de concurso de miss, mas adoro e aí?

Se lhes dou esses detalhes sobre o asteróide B 612 e lhes confio o seu número, é por causa das pessoas grandes. As pessoas grandes adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo amigo, elas jamais se informam do essencial.

Não perguntam nunca: "Qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que prefere? Será que coleciona borboletas?" Mas perguntam: "Qual é sua idade? Quantos irmãos ele tem? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai?" Somente então é que elas julgam conhecê-lo.
Se dizemos às pessoas grandes: "Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado..." elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma idéia da casa. É preciso dizer-lhes: "Vi uma casa de seiscentos contos". Então elas exclamam: "Que beleza!"

Assim, se a gente lhes disser: "A prova de que o principezinho existia é que ele era encantador, que ele ria, e que ele queria um carneiro. Quando alguém quer um carneiro, é porque existe" elas darão de ombros e nos chamarão de criança!
Mas se dissermos: "O planeta de onde ele vinha é o asteróide B 612" ficarão inteiramente convencidas, e não amolarão com perguntas. Elas são assim mesmo. É preciso não lhes querer mal por isso. As crianças devem ser muito indulgentes com as pessoas grandes.

Mas nós, nós que compreendemos a vida, nós não ligamos aos números! Gostaria de ter começado esta história à moda dos contos de fada. Teria gostado de dizer:
"Era uma vez um pequeno príncipe que habitava um planeta pouco maior que ele, e que tinha necessidade de um amigo..." Para aqueles que compreendem a vida, isto pareceria sem dúvida muito mais verdadeiro.

A vida é a arte do encontro (Para alguém que mora no asteróide B612 )

(foto: encontro dos rios Parnaíba e Poti)

Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta o longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.

O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.

Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho – o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.

Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.

(FERREIRA GULLAR)

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Drummond (Para alguém distante)

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca,
tão pegada,
aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência,
essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

PRESÍDIO (David Mourão-Ferreira)

Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tato sempre pouco...?

E o ventre, inconsistente como o lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
É também água, terra, vento, fogo...

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!